QUESTÃO 98 - Quem é pobre, pouco se apega, é um giro-o-giro no vago dos gerais, que nem os pássaros de rios e lagoas. O senhor vê: o Zé-Zim, o melhor meeiro meu aqui, risonho e habilidoso. Pergunto: - Zé-Zim por que é que você não cria galinhas d'angola, como todo o mundo faz? - Quero criar nada não... - me deu resposta: - Eu gosto muito de mudar... [...] Belo um dia, ele tora. Ninguém discrepa. Eu, tantas, mesmo digo. Eu dou proteção [...]. Essa não faltou também à minha mãe, quando eu era menino, no sertãozinho de minha terra [...]. Gente melhor do lugar eram todos dessa família Guedes, Jidião Guedes; quando saíram de lá, nos trouxeram junto, minha mãe e eu. Ficamos existindo em território baixio da Sirga, da outra banda, ali onde o de-Janeiro vai no São Francisco, o senhor sabe... (ROSA, J.G. Grande Sertão Veredas. Rio de Janeiro, José Olympio, fragmento)
Na passagem citada, Riobaldo expõe uma situação decorrente de uma desigualdade social típica das áreas rurais brasileiras marcadas pela concentração de terras e pela relação de dependência entre agregados e fazendeiros. No texto ,destaca-se essa relação porque o personagem-narrador:
a) Relata a seu interlocutor a história de Zé-Zim, demonstrando sua pouca disposição em ajudar seus agregados, uma vez que superou essa condição graças à sua força de trabalho.
b) Descreve o processo de transformação de um meeiro – espécie de agregado – em proprietário de terra.
c) Denuncia a falta de compromisso e desocupação dos moradores, que pouco se envolvem no trabalho da terra.
d) (X) Mostra como a condição material da vida do sertanejo é dificultada pela sua dupla condição de homem livre e, ao mesmo tempo, dependente.
e) Mantém o distanciamento narrativo condizente com a sua posição social, de proprietário de terras.
QUESTÃO 101
Texto 1
O meu nome é Severino,
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias,
mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor dessa sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
(MELO NETO, J.C. Obra Completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1994, fragmento)
Texto II
João Cabral, que já emprestara sua voz ao rio, transfere-se, aqui, ao retirante Severino, que, como o Capibaribe, também segue no caminho do Recife. A auto apresentação do personagem, na fala inicial do texto, nos mostra um Severino que, quanto mais se define, menos se individualiza, pois seus traços biográficos são sempre partilhados por outros homens.
(SECCHIN, A.C. João Cabral: a poesia do menos. Rio de Janeiro. Topbooks, 1999, fragmento)
Com base no trecho de Morte e Vida Severina (texto I) e na análise crítica (texto II), observa-se que a relação entre o texto poético e o contexto social a que ele faz referência aponta para um problema social expresso literariamente pela pergunta “Como então dizer quem fala / ora a Vossas Senhorias?”. A resposta à pergunta expressa no poema é dada por meio da:
a) Descrição minuciosa dos traços biográficos do personagem-narrador.
b) Construção da figura do retirante nordestino como um homem resignado com a sua situação.
c) (X) Representação, na figura do personagem-narrador, de outros Severinos que compartilham sua condição.
d) Apresentação do personagem-narrador como uma projeção do próprio poeta, em sua crise existencial.
e) Descrição de Severino, que, apesar de humilde, orgulha-se de ser descendente do coronel Zacarias.
QUESTÃO 113
Estrada
Esta estrada onde moro, entre duas voltas do caminho,
Interesse mais que uma avenida urbana.
Na cidade todas as pessoas se parecem.
Todo mundo é igual. Todo mundo é toda a gente.
Aqui não: sente-se bem que cada um traz a sua alma.
Cada criatura é única.
Até os cães.
Estes cães da roça parecem homens de negócios:
Andam sempre preocupados.
E quanta gente vem e vai!
E tudo tem aquele caráter impressivo que faz meditar:
Enterro a pé ou a carrocinha de leite puxada por um bodezinho manhoso.
Nem falta o murmúrio da água, para sugerir, pela voz dos símbolos,
Que a vida passa! Que a vida passa!
E que a mocidade vai acabar.
(BANDEIRA, M. Ritmo dissoluto. Rio de Janeiro: Aguilar, 1967)
A lírica de Manuel Bandeira é pautada na apreensão de significados profundos a partir de elementos do cotidiano. No poema Estrada, o lirismo presente no contraste entre campo e cidade aponta para:
a) O desejo do eu lírico de resgatar a movimentação dos centros urbanos, o que revela sua nostalgia com relação à cidade.
b) (X) A percepção do caráter efêmero da vida, possibilitada pela observação da aparente inércia da vida rural.
c) A opção do eu lírico pelo espaço bucólico como possibilidade de meditação sobre a sua juventude.
d) A visão negativa da passagem do tempo, visto que esta gera insegurança.
e) A profunda sensação de medo gerada pela reflexão acerca da morte.
QUESTÃO 119 - Abatidos pelo fadinho harmonioso e nostálgicos dos desterrados, iam todos, até mesmo os brasileiros, se concentrando e caindo em tristeza; mas, de repente, o cavaquinho de Porfiro, acompanhado pelo violão do Firmo, romperam vibrantemente com um chorado baiano. Nada mais que os primeiros acordes de música crioula para que o sangue de toda aquela gente despertasse logo, como se alguém lhe fustigasse o corpo com urtigas bravas. E seguiram-se outras notas, e outras, cada vez mais ardentes e mais delirantes. Já não eram dois instrumentos que soavam, eram lúbricos gemidos e suspiros soltos em torrente, a correrem serpenteando, como cobras numa floresta incendiada; eram ais convulsos, chorados em frenesi de amor: música feita de beijos e soluços gostosos; carícia de fera, carícia de doer, fazendo estalar o gozo.
(AZEVEDO, A . O Cortiço. São Paulo: Ática, 1983, fragmento)
No romance O Cortiço (1890), de Aluísio Azevedo, as personagens são observadas como elementos coletivos caracterizados por condicionantes de origem social, sexo e etnia. Na passagem transcrita, o confronto entre brasileiros e portugueses revela a prevalência do elemento brasileiro, pois:
a) Destaca o nome de personagens brasileiras e omite o de personagens portuguesas.
b) Exalta a força do cenário natural brasileiro e considera o do português inexpressivo.
c) (X) Mostra o poder envolvente da música brasileira, que cala o fado português.
d) Destaca o sentimentalismo brasileiro, contrário à tristeza dos portugueses.
e) Atribui aos brasileiros uma habilidade maior com instrumentos musicais.
QUESTÃO 120
Guardar
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela.
Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro
Do que um pássaro sem voos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.
(MACHADO, G. In: MORICONI, I. (org.). Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001)
A memória é um importante recurso do patrimônio cultural de uma nação. Ela está presente nas lembranças do passado e no acervo cultural de um povo. Ao tratar o fazer poético como uma das maneiras de se guardar o que se quer, o texto:
a) Ressalta a importância dos estudos históricos para a construção da memória social de um povo.
b) Valoriza as lembranças individuais em detrimento das narrativas populares ou coletivas.
c) (X) Reforça a capacidade da literatura em promover a subjetividade e os valores humanos.
d) Destaca a importância de reservar o texto literário àqueles que possuem maior repertório cultural.
e) Revela a superioridade da escrita poética como forma ideal de preservação da memória cultural.
QUESTÃO 121
Lépida e Leve
Língua do meu amor velosa e doce,
que me convences de que sou frase,
que me contornas, que me vestes quase,
como se o corpo meu de ti vindo me fosse.
Língua que me cativas, me enleias
os surtos de ave estranha,
em linhas longas de invisíveis teias,
de que és, há tanto, habilidosa aranha...
[...]
Amo-te as sugestões gloriosas e funestas,
amo-te como todas as mulheres
te amam, ó língua-lama, ó língua-resplendor,
pela carne de som que à ideia emprestas
e pelas frases mudas que proferes
nos silêncios de Amor!...
(MACHADO, G. In: MORICONI, I. (org.). Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, fragmento)
A poesia de Gilka Machado identifica-se com as concepções artísticas simbolistas. Entretanto, o texto selecionado incorpora referências temáticas e formais modernistas, já que, nele, a poeta:
a) Procura desconstruir a visão metafórica do amor e abandona o cuidado formal.
b) Concebe a mulher como um ser sem linguagem e questiona o poder da palavra.
c) Questiona o trabalho intelectual da mulher e antecipa a construção do verso livre.
d) Propõe um modelo novo de erotização na lírica amorosa e propõe a simplificação verbal.
e) (X) Explora a construção da essência feminina, a partir da polissemia de “língua”, e inova no léxico.
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